quinta-feira, 22 de março de 2018

Você quer mesmo ser cineasta ??!

Se a sua resposta é afirmativa, devo parabenizá-lo(a). Poucas pessoas neste país são tão corajosas, insanas, criativas, batalhadoras e amantes da arte como você. Se você não se encaixa em nenhum desses adjetivos, então tem alguma coisa errada. Fazer cinema no Brasil exige deste bravo profissional um certo talento, uma boa dose de loucura e muito, muuuito Q.I. ( isso mesmo: Quem Indique). Agora, se você já tem uma outra ocupação que garanta seu provimento e paga suas contas ou é sustentado pelos seus pais ou possui alguma outra fonte de renda e faz cinema por hobby, tudo bem, são outros quinhentos. Estou me referindo àqueles que desejam sobreviver de cinema única e exclusivamente, que se entregarão de corpo e alma à produção do filme e que se alimentarão (?) com o salário de cineasta. Estes, ao final do curso, além do glorioso diploma, deveriam receber uma coroa de louros, uma caixa de Lexotan, uma outra de Valium e uma lata de filme virgem (just in case). Aos nossos queridos “bixos” aspirantes a cineastas e um tanto quanto alheios à nossa realidade, alguns alertas e conselhos (afinal, titio Shedd não quer desanimá-los): aqui neste país NÃO existe glamour algum na nossa profissão, você NÃO vai ficar muito famoso (Nelson Pereira do quê ??) como cineasta pois poucos são os espectadores que guardam o nome do diretor (se conseguir chegar a diretor), você vai se matar para produzir um bom trabalho e NÃO vão dar o menor valor pra ele nem pra você. Você NÃO vai ficar podre de rico trabalhando nisso e, se não tiver Q.I, você NÃO vai encontrar um anúncio de “PRECISA-SE CINEASTA” no caderno de empregos. Tá bom ou quer mais ? Então toma: A maioria do público brasileiro hoje NÃO gosta de filmes nacionais , portanto a renda NÃO vai pagar o seu filme, a crítica NÃO costuma ser muito gentil com nossos diretores (há exceções, é claro) e, esta é para os rapazes, as menininhas dão preferência aos atores-tigrões aos cineastas intelectuais, ou seja, meu amigo, NEM mulher você vai arranjar sendo “filmmaker”. Eu até poderia continuar a lista, mas vou parar por aqui, pois agora está na hora dar algumas dicas sobre como sobreviver no Brasil sendo um cineasta: 1) Comece a estocar comida desde já, você pode vir a precisar dela depois que se formar; 2) Arranje um(a) namorado(a) que já esteja na área, talvez ele(a) te consiga pelo menos um estágio; 3) Arranje algum parente cheio da grana pra bancar os seus filminhos; 4) Arranje um(a) outro namorado(a), um(a) milionário(a) de preferência, só por garantia; 5) se a dica anterior for um pouco complicada de se alcançar, comece a guardar dinheiro desde já, pois dentro de pouco tempo você terá que comprar latas de filme virgem (mais ou menos US$ 180 por 10 minutos de película 16mm) e pagar pela revelação (em torno de US$ 0,20/metro), sem contar o copião usado na montagem; 6) Tente conseguir um contato de trabalho fora do Brasil (caso você já tenha um, por favor, tente me incluir no lance!). É preciso também ter muito estômago e paciência. Num set de filmagem, normalmente, o diretor tem mais trabalho tentando apagar egos inflamados do que dirigindo o filme propriamente dito (palavras da diretora Tata Amaral). Isto sem contar o puxa-saquismo, o jogo de interesses, as picuinhas, os chiliques, a putaria e as venenosas fofocas. Em minha história de vida já cruzei com péssimos profissionais que só se mantinham no cargo às custas de um doentio puxa-saquismo ou por ser truta de algum chefe. Já tive amigo (amizade de 10 anos !!) que “puxou meu tapete” na emissora onde trabalhávamos (sim, já trabalhei em televisão pra pagar as contas), já tive trabalhos meus exibidos na tv, no MIS e em festivais pelo Brasil (lá fora também) e nem por isso minha vida mudou de rotina, já cansei de enviar infindáveis currículos para emissoras e produtoras e, por não ter o contato exigido, não consegui nem mesmo um estágio (em tempo: aquele meu amigo foi o meu Q.I. na emissora). Por tais motivos e outros posso já me considerar uma autoridade neste assunto: trabalhar nesta área de cine-video/produção por aqui é fogo na roupa, meu filho !! Isso porque eu nem entrei na questão do corporativismo que domina esta terra de Deus. Freqüentemente me pergunto por que ainda insisto em fazer cinema. Por que não mudar para Informática ou Engenharia ou Medicina, profissões que são certeza de emprego, independente de indicações ou puxa-sacos ?? Filmar é muito mais do que uma grande brincadeira de “faz-de-conta”. Difícil de se definir a palavra “amor”, assim como é difícil de se explicar o que leva um sujeito a querer fazer cinema. Minha resposta a esta questão é simples: o cinema é divino!! O cinema é luz e a luz é a manifestação de Deus. O cinema exige todo um ritual: você sai da sua casa e penetra num Oráculo, num templo escuro, silencioso, lotado de pessoas que se reúnem neste mesmo local com objetivo de prestar culto à Sétima Arte. Portanto, o cineasta se transforma numa entidade sacra, num sacerdote espiritual, eclesiástico, com o poder de construir mundos, vidas, situações, glórias e tragédias. Filmar acho que deveria ser definido como: “dar à luz”. Somos verdadeiras mães que se apaixonam por seus filhos logo no início da fecundação (na criação do argumento), sofre indescritíveis dores durante a gestação (na produção) e choram de emoção ao ver o lindo filhote prontinho logo após o parto (o Lançamento do filme). Então, gostaria de finalizar com uma homenagem adiantada ao dia das mães ( o dia do cineasta deveria ser comemorado na mesma data...) que pode se estender a todos os filmmakers do Brasil e do mundo: apesar de todas as lutas e agruras que existem ao longo da jornada materna e cinematográfica, não existe nada mais GRATIFICANTE e DIVINO nesta vida do que a profissão de cineasta-mãe-amante-da-arte-e-da-loucura! Filmou ?!